Praxe académica

Praxe académica, ou simplesmente praxe, consiste no conjunto de tradições, usos e costumes de uma comunidade académica portuguesa.

No que consiste

A praxe académica é um conjunto amplo de tradições, usos e costumes que se praticam e repetem ao longo dos anos no foro universitário, e cuja Alma Mater é Coimbra. Fortemente ligada ao conceito de praxe académica, está a tradição de integrar os caloiros na sua nova escola e nos próprios costumes, pelo que a praxe tem também um ritual iniciático fortemente hierarquizado. Esta ligação é forte de tal modo que por muitas vezes se confunde o conceito de praxe, que é o conjunto de todas as tradições e rituais com o de "gozo ao caloiro". Actualmente, as actividades de recepção ao Caloiro tem sofrido forte contestação e gerado enorme polémica, chegando a haver o instaurar de diversos processos-crime, em razão de práticas que, afinal de contas, nada têm a ver com os ritos iniciáticos da praxis académica.

Associado à praxe académica, está o mote Dura Praxis, Sed Praxis - a praxe é dura, mas é praxe! - baseada no mote latino Dura Lex, Sed Lex .

Origens

A actual praxe académica surge na Universidade de Coimbra. Tem como base uma jurisdição especial (o "foro académico", distinto da "lei civil"), a qual era aplicada por um corpo policial próprio - os Archeiros - sob tutela das autoridades universitárias. O seu papel era o de zelar pela ordem no campus e fazer cumprir as horas de estudo e recolher obrigatório por alunos e professores, sob pena de prisão, sobrepondo-se às autoridades policiais civis. Também tinha a incumbência de evitar a entrada na Universidade dos habitantes da cidade que não fossem estudantes ou professores.

Em 1727, devido à morte de um aluno, D. João V proíbe as investidas feitas pelos veteranos (qualquer aluno com mais de uma matrícula na Universidade): "Hey por bem e mando que todo e qualquer estudante que por obra ou palavra ofender a outro com o pretexto de novato, ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos."

No século XIX, o termo "investida" dá lugar aos termos "caçoada" e "troça". Os episódios de violência sucedem-se, com os novos alunos a serem rapados ou obrigados a cantar e a dançar e chega mesmo a haver confrontos físicos com os mais velhos.

Com o fim da polícia universitária em 1834, os estudantes decidem criar uma adaptação desta força policial académica e recuperar os rituais de iniciação. Assim, após o toque vespertino da "cabra" - um dos sinos da torre da Universidade - patrulham as ruas da cidade, em busca de infractores, organizados em "trupe". No final do século XIX, surgem novamente relatos de violência entre estudantes, relacionados com os rituais de iniciação, onde os novos alunos eram obrigados a cantar e dançar, e em que era também frequente cortar-lhes o cabelo. Num destes episódios, um dos praxistas é morto por um caloiro.

A praxe foi entretanto interrompida durante alguns períodos. Durante a Implantação da República a praxe é abolida devido à oposição dos estudantes republicanos, sendo reposta em 1919.

Do século XX à actualidade

Durante o século XX a Universidade de Coimbra tornou-se um centro de luta contra o Salazarismo e a Guerra Colonial. As consequentes represálias culminaram no Luto Académico, em 1961, que levou à suspensão de todas as actividades académicas. Com o fim do regime a 25 de Abril de 1974 a praxe e todo o tipo de actividades académicas, como as festas académicas e até mesmo as tradições académicas foram em muitas academias proibidas. Na altura estudantes ligados à esquerda defendiam a tese que a praxe alienava os estudantes da luta política, por isso sempre foram contra. O ressurgimentos das praxes apenas ocorre no final do anos 70 quando estes estudantes começam a perder peso dentro das academias, principalmente da de Coimbra. Nesta altura, a praxe acaba por se estender para todo o país, deixando de ser um ritual próprio de Coimbra.

A Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto é um exemplo de uma instituição que voltou a re-implantar a tradição do traje académico, durante uns anos através da comissão de praxe da Faculdade de Letras e da Faculdade de Engenharia. Actualmente alguns alunos daquela faculdade são praxados em conjunto com os da Faculdade de Arquitectura que é reconhecida como membro da Academia do Porto. Estas duas faculdades são dois exemplos, entre vários, de instituições de ensino superior onde a recepção aos novos alunos é realizada pela Associação de Estudantes, não havendo lugar a praxes. Na cidade de Lisboa a adesão à praxe aumentou mas lentamente, devido também em parte à imensidão da própria cidade e ao facto de não ser uma cidade académica, como Coimbra ou Évora. Duas excepções são as Faculdades de Ciências e de Farmácia da Universidade de Lisboa, regendo-se por códigos de praxe próprios e tentando respeitar e reavivar a tradição. No entanto, devido à volatilidade própria do meio estudantil, é difícil precisar actualmente qual é a adesão à praxe em cada Universidade.

Têm sido frequentes os relatos de violência física e psicológica cometidos sobre os 'caloiros', tanto nas grandes universidades como nos estabelecimentos de menor dimensão[1]. Os movimentos anti-praxe que entretanto surgiram opõem-se às tradições da Praxe, remetendo para aspectos obscuros e desonrosos destas tradições. Afirmam que o número de relatos é inferior ao número de incidentes que realmente acontecem, enquanto que aqueles vinculados à Praxe negam vigorosamente estas acusações. Assim a sociedade vê-se também dividida entre as duas versões, mantendo-se o actual status quo. Note-se que estes movimentos se opõem ao "gozo ao caloiro" e não a outras actividades académicas mais inofensivas, tais como a Benção de Finalistas, o Baile de Finalistas, as festas académicas, a Queima das Fitas ou a Semana Académica, os jantares académicos, entre outras. Regra geral a adesão à Praxe dos estudantes e a sua participação nas actividades académicas (incluindo o "gozo ao caloiro") tem sido elevada.

Praxe nas escolas básicas e secundárias

Ao longo da adolescência (idades entre os 10 e os 15 anos), as praxes acompanham a vida de um estudante, deixando muitas vezes traumas psicológicos e por vezes até mesmo físicos. No ensino básico, a praxe mais comum, é a utilização de marcadores para riscar a cara e/ou os braços do caloiro. Porém, as praxes nestas idades, podem utilizar outro tipos de produtos (como farinha, ovos, etc). Já no secundário, a praxe sobe de nível, mantém-se a utilização de marcadores para riscar os caloiros, e atiram-se ovos podres, farinha, azeite, vinagre, etc. As novidades são a confecção de sprays (mal cheirosos, ou somente nojentos), para borrifar os caloiros. O acto de submeter um caloiro a humilhação e submissão, também é prática comum.

Contestação

É difícil precisar quando surgiu pela primeira vez a contestação à praxe. Teófilo Braga, que viria a ser Presidente da República, relatava como no seu tempo os estudantes faltavam às aulas para fugir à praxe. Segundo ele, "Enquanto o estudante vivia em Coimbra, envolvido ou exposto às sangrentas investidas, tinha de andar armado até aos dentes". Em 1902, um grupo de anti-praxistas liderados por José de Arruela consegue acabar com o canelão, prática que consistia em agredir os novos alunos à canelada (daí o nome) ao passarem na Porta Férrea, único acesso ao complexo universitário. Em 1903, Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão assinam, em conjunto com outros estudantes, um "manifesto anti-praxe".

A década de 90

Na década de 90 surgem movimentos organizados de combate à praxe, o Movimento Anti «Tradição Académica» (MATA) e o Antípodas.[2] Estes movimentos juntam estudantes na contestação às tradições académicas e têm conseguido criar um clima de debate em torno da praxe, que até aí era assunto tabu.

O filme Rasganço

Em 2000 estreia o filme "Rasganço", de Raquel Freire. Apesar de não conter uma mensagem anti-praxe, o filme é por vezes crítico em relação ao fechamento da Universidade de Coimbra. O Conselho de Veteranos emite um comunicado contra a película.

O manifesto anti-praxe de 2003

Em 2003, o MATA, o Antípodas e a República Marias do Loureiro, de Coimbra[3], juntam-se para elaborar um manifesto anti-praxe[4]. O manifesto foi assinado por dezenas de personalidades, tais como Eduardo Prado Coelho, Baptista Bastos, Pedro Abrunhosa, Pacman, Rosa Mota, Vitorino, José Luís Peixoto, Manuel Cruz, Miguel Guedes e Sérgio Godinho.

As cartas do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

No início do ano lectivo de 2008 o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, enviou uma carta a todas as universidades e institutos politécnicos onde afirma que «a degradação física e psicológica dos mais novos como rito de iniciação é uma afronta aos valores da própria educação e à razão de ser das instituições de ensino superior e deve pois ser eficazmente combatida por todos, estudantes, professores e, muito especialmente, pelos próprios responsáveis das instituições» e sublinha que «a extraordinária gravidade de algumas das ocorrências verificadas, de que resultou, nalguns casos, a própria incapacidade permanente de jovens estudantes, impõe hoje uma nova atitude de responsabilidade colectiva nesta matéria e não permite qualquer complacência com actos que — podendo e devendo ser prevenidos — revelam no espaço do ensino superior português insuportáveis violações do Estado de Direito.»[5]

No início do ano lectivo de 2009 o Ministro, escrevendo de novo às instituições de ensino superior, considera que as praxes «embora afirmando uma intenção de integração dos novos alunos, mais não são que práticas de humilhação e de agressão física e psicológica de índole manifestamente fascista e boçal, indignas de uma sociedade civilizada e inconcebíveis em instituições de educação.» e afirma que «a degradação física e psicológica dos mais novos como rito de iniciação é uma afronta aos valores da própria educação e à razão de ser das instituições de ensino superior e deve ser eficazmente combatida por todos: estudantes, professores e, muito especialmente, pelos próprios responsáveis das instituições.» fazendo igualmente um apelo às associações de estudantes «que num passado ainda bem recente, e em condições difíceis, pugnaram pelos valores da liberdade e da dignidade humana, espera-se um contributo activo, não só não acolhendo nem apoiando acções que, a coberto de pseudo intenções de integração dos jovens estudantes põem objectivamente em causa aqueles valores, como promovendo iniciativas no sentido de uma verdadeira integração na comunidade académica.» [6]

Os julgamentos dos praxistas

A comunicação social tem denunciado vários casos de violência no âmbito das «praxes académicas», onde, entre outros, se contam o de uma estudante de Santarém que foi coberta com excrementos depois de se ter declarado anti-praxe[7], ou o de estudantes das escolas superiores agrárias de Coimbra e de Elvas que ficaram com danos físicos graves irreversíveis. A estudante recorreu aos tribunais e os praxistas foram punidos, naquele que foi o primeiro julgamento relacionado com a praxe.[8]





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